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Sou das manhãs. Aprendi a sê-lo.
Sou das mães que carregam as pequenas criancinhas ora ao colo ora pela mão, quando o sol ainda se levanta. E sou dos gorros que tapam as orelhas.
Sou dos pedintes e dos famintos que circulam vagamente pelas avenidas. E sou da minha música que se mistura com o vento.
Sou dos que madrugam. Que trabalham e se perdem pelas ruas da cidade. E sou minha, e das minhas bolachas, que aconchegam o estômago revolto.
Sou dos cansados, dos que dormitam sentados nos comboios, nos autocarros e nos metros. E sou das paragens gélidas onde esperam os sozinhos na vida.
Sou dos pobres e dos apressados. Sou dos ricos e preguiçosos. Sou dos sonhadores e dos dormentes. Sou dos sorridentes e dos carrancudos.
E sim, agora sou dos “Bons Dias”.
Estou exausta e tenho um trabalho para entregar na segunda.
"O Sublime e o Kant" vão ter esperar....
Hoje não é o vosso dia...
(E ainda não fiz nadinha para o dito cujo trabalho!)
Ela ostentava uma pose segura, parecia saber perfeitamente o que fazia – ela fingia bem. Vestia um grosso casaco de inverno e estava levemente curvada para trás.
Pelo canto do olho viu-o aproximar-se. Ignorou a sua presença e continuou a disparar flashes.
A fachada do prédio não era nada do que ela precisava. Mas, na falta da foto e das declarações da empresa proprietária do armazém, nada melhor se podia arranjar.
Ela ajustou o ângulo da fotografia – já que não podia fazer mais nada, pelo menos que a imagem fosse boa.
Ele continuava a aproximar-se. “Não é nada contigo” pensava ela concentrando-se no seu trabalho.
- Boa tarde – soou atrás dela.
- Boa tarde - respondeu, afastando a máquina fotográfica do olho.
- Conseguiste as declarações de alguém? – quis ele saber.
Ela pareceu confusa. Porque quereria ela saber se ela conseguira ou não as declarações exclusivas dos representantes da empresa?
- Sou do Correio da Manhã – explicou.
Dois dedos de conversa. Más noticias e um lamento comum. Um trabalho inacabado para os dois.
Despediram-se, enquanto ela descobria uns lindos olhos azuis por detrás dos óculos de aros pretos.
Mais dois flashes, e ela atravessou a rua. As redacções são lugares confusos e que vivem de notícias e informações fresquinhas que têm de ser transportadas com brevidade.
Ela partiu de carro, ele dedicou-se às fotografias. Se a historia deles poderia ter sido diferente? Podia…. Mas o tempo é escasso e ela é especialista em histórias inacabadas.
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