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- Quando eu já cá não estiver - disse ela em leito de morte, em voz sumida, como se já não estivesse ali de facto - Quero que lhe entregues tudo. - tossicou, engolindo em seco mágoas que só ela via. - Tudo o que escrevi, tudo o que os meus dedos tocaram, todas as folhas onde o meu lápis poisou amor, onde a minha caneta pintou desejo e raiva. Quero que ele leia tudo, tudo até a sua alma secar as lágrimas que por ele chorei enquanto escrevia.
Fez uma pausa e fechou os olhos. Parecia cansada, exausta. Tinha um milhão de anos. Talvez mais; decididamente mais.
- Diz-lhe em tom de lamento que o amei em prosa, em poesia. Que o amei em romance não vivido. Diz-lhe que o escrevi para não o esquecer, diz-lhe que ele jamais será esquecido porque o escrevi.
Adormeceu por fim. Ainda não era o fim. Era apenas mais um sono.
“Judging a person does not define who they are. It defines who you are.”
De, Pandora
Em tempos dizia-se que a fase mais complicada na relação pais e filhos era a adolescência.
Os filhos regados de hormonas nunca são boa rês, e pais a viver nos 40’s já tiveram mais paciência para dramas pseudo-existênciais.
Porém, cheguei à conclusão que essa fase não é nada quando comparada com a que vivemos quando habitamos a casa dos 20.
Depois de – muitos de nós terem vivido cerca de três anos mais ou menos à nossa mercê, sem horários impostos, sem refeições certas e regimes familiares ordenados, voltar a casa pode ser complicado. Viver 24 sob 24 horas em família não é o mesmo que viver as cerca de 48 de um fim-de-semana – tempo que passávamos em casa enquanto estudantes.
As rotinas de pais e filhos demoram a afinar. É assim, duro, bom e verdadeiro, uma miscelânea complexa mas grande parte das vezes saborosa.
As discussões são diferentes: não somos adultos independentes, mas não somos crianças. Queremos demostrar o nosso ponto de vista, mas não podemos elevar a voz, porque no fim de contas “não estamos a falar com os amigos da escola” (o caso tem outros contornos negros quando já não andamos na escola, nem trabalhamos, onde apenas diferimos de um parasita pela nossa, não dele, motivação, vontade e frustração).
Ás vezes, fartos da vida a que os nossos progenitores chamam fácil, viramos as costas a aceitamos o facto de sermos os mal-criados da história. Às vezes é pior, outras é melhor; às vezes arrependemo-nos, outras nem por isso.
Problemas de gente grande, com duas décadas e uns pozinhos…. Um dia os nossos problemas foram os deles, um dia os deles serão os nossos - ciclos complexos da vida.
(Katy Perry, os 20's e parte da família)
Se soubesse que me haverias de matar, por ti não teria morrido meu coração.
- Mãe, tem piedade – repetia a rapariga.
Devia andar na casa dos 15 e tinha um notório esforço por parecer cool.
- Mãe, tem piedade – suava a mantra, de tão repetido.
A mãe, aparentemente alheia à reza da filha, digitava uma mensagem escrita no telemóvel topo de gama, branco.
- Mãe, tem piedade! Piedade! Piedade, mãe! – a rapariga abanava as pernas nervosamente e soltava grandes golfadas de ar entre falas.
- Tem tu piedade! Piedade de mim e do meu dinheiro! – respondeu a progenitora, por fim, sem tirar os olhos do telefone.
- Mas, O Cd é o último! O último! Os bilhetes do concerto esgotaram e só há um CD! Tem piedade! Dá-me o CD dos One Direction! Tem piedade, mãe…!
Enquanto isso, eu impávida e serena, passo os artigos pelo scanner e conto os bip, bip’s, enquanto contento uma gargalha-não-piedosa.
De referir que a mãe, num ato de misericórdia e piedade, lhe deu dinheiro e a menina foi à Worten comprar o CD.
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