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A rua deveria silenciar-se.
Tudo devia perder o som e ficar assim como eu, emudecido.
Chovia, chovia tanto. E, o meu velho e partido guarda-chuva teimava em não servir para o efeito que fora destinado – abrigar-me.
Chovia e eu continuava a andar – passo certo, ritmo acelerado.
As sapatinhas insistiam em magoar-me e eu nem sabia porque as havia calçado.
O Kispo de chuva parecia-me ridículo – eu nem gostava dele, mas, estava demasiado frio a gabardine preta.
Sem mais soluções de espaço, via-me obrigada a carregar uma mochila às costas e uma mala ao tiracolo.
Doíam-me as costas e os braços estava doridos há dias. E, enquanto a chuva caía ao meu redor, chap, chap, ping, ping, eu amaldiçoei-as.
Enquanto movia pé depois de pé, enchi-me de pena própria e ressentimento por elas.
Amaldiçoei-as. Àquelas que apanham chuva para irem para um trabalho que amam, que as preenche.
Aquelas pessoas, aquelas quantas já conheci, e que agora me faziam doer o coração.
Sem parar de andar e sem parar de chover, amaldiçoe-as com pragas diversas e inventadas na hora.
O meu ódio juntou-se com a chuva e, ao meu o redor, os pingos tornaram-se mais grossos.
Em mim chovia e de mim frustração imanava.
Como eu odiava as conspirações do universo! Como ele era cruel e teimava em mostrar-nos a sua força e supremacia.
Depois, já de guarda-chuva fechado vi-as.
Voavam lá no alto da habitual forma leve e majestosa.
Gaivotas. Apregoando liberdade. Bandos delas. Voando e dizendo que melhores dias virão. Batendo asas por entre céu escuro e chuva miudinha levando dor e mágoa. Gaivotas trazendo sonhos e esperança de céus azuis e nuvens de algodão branco. Gaivotas, os pássaros dos meus sonhos… o coração acalmou.
(texto escrito na paragem de autocarro - ontem)
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