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Sinto que estamos a ser engolidos pela vida. Talvez não todos, não a toda a hora, mas, estamos.
Eu tento que a vida se entale comigo, quando esta me tenta digerir com aqueles sucos ácidos que tem no estômago.
Porém, nem sempre é fácil. Contorço-me na sua boca, faço equilibrismo, a espargata. Tento magoar-lhe a língua como ela tenta calar a minha.
Uma vezes, consigo que ela abra aqueles lábios escarlate e me cuspa para terra, outras deixo-me ir, esófago abaixo. Nem sempre temos escolha, mas podemos tentar viver com ela em vez de dentro dela, dessa vida esfomeada.
Sinto que estamos a ser engolidos pela vida. Não só eu, mas os que me rodeiam. Ontem falei-lhes e as duas estão deprimidas, magoadas, a ruçar o chão.
Tive vontade de lhes dizer, ó revolta minha, que ter trabalho é bom, que mesmo que as coisas não estejam a correr bem, ter trabalho devia faze-las felizes... Mas, sei que essa premissa, por si só, é falsa. Tentei pôr-me na pele delas e não consegui. Sei que, tal como eu, devem estar cansadas, desse cansaço que não vem do corpo, mas da mente, desse que nasce em nós e não no nosso esqueleto. Tentei lembrar-me das tristezas que tinha quando trabalhava. No último emprego, sentia-me triste quando pensava que o ia perder, que dali a uns dias, umas semanas, voltava ao mesmo ou quando tinha de entrar ao serviço depois de a noite cair. O mesmo aconteceu no jornal. Claro que nesse também tinha medo de falhar, mas a confiança conquista-se, e eu foi-a colhendo grão a grão, gota a gota. Queria ajuda-las e não consegui. Tentei passar-lhes uma energia que não tinha, nem tenho, com palavras soltas de ânimo e amor – coisas sem fim prático com uma confiança, certa e cega nesse futuro distante, que nem um cabelo recém cortado pode dar.
No fundo só queria estar no mesmo barco que elas, e não no cais. Ficar no cais, quando se vê muitos barcos é doloroso, só sendo melhor do que ficar no cais e não haver barcos. É quase como ser naufrago... e eu não gosto de naufrágios, bastou o Titanic, não é?
Não quero que a vida me engula, não quero que elas sejam engolidas. Quero que todos sejamos indigestos, incomestíveis. Quero que a vida se entale comigo... mas, nem sempre resulta.
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