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Costumavam dizer-lhe que tudo o que se ama magoa e ele fingia não ouvir.
Afinal, não passara ele toda a juventude a ler histórias de encantar á irmã mais nova? Seriam assim esses escritores tão manhosos que mentiam a cada palavra, a cada linha de letras pomposas e amáveis?
Recusava-se a acreditar que a bela rapariga da casa ao fundo da rua o iria magoar. Recusava-se sequer a supor que um dia a mão fria dela fosse largar mão insegura dele.
Recusava-se a imaginar um mundo em que ela fosse triste e só.
Até ao dia em que ela, pássaro despedaçado, lhe disse que queria voar. Sozinha. Sem coração e sem asas - dele. Esse foi o dia em que ela fez a mala, apanhou o cabelo, tirou os anéis e os brincos e ele a viu chorar através das suas lágrimas. Fundo vermelho sob verde. Dor sob esperança. Sabia-a muito para saber que o dia em que ela prendesse aqueles fios negros de cabelo cigano, se uniria com aquele mundo que não era de ninguém, nem dele, nem dela, mas que ela queria tomar como seu.
Sabia ele que no dia em que ela tirasse o anel os elos que a uniam á casa no fundo da rua seriam quebrados – eles seriam quebrados.
E, assim foi. Assim ela foi e ele não. Porque ela era um pássaro destroçado que sabia que ao destroça-lo ele seria melhor. Melhor que ela, e, sempre melhor que ele.
Por agora, longe de tudo o que a matava aos poucos, ela trabalha num supermercado e ele estuda para ser melhor que ela.
Ela será para sempre uma cabeça de vento e ele o vento que por ela passa. Um dia pode ser que se encontrem e voltem a dar a mão, que partilhem sorrisos em vez de lágrimas. Com o futuro nunca se sabe pois não?
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