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- Não sejas hipócrita - disse-lhe ela, ríspida e rapidamente.
Ele, como se tivesse sido esbofeteado, olhou-a de alto abaixo, com fúria nos olhos, enquanto se endireitava no sofá.
Ela, hirta e de maxilar tenso, esforçava-se por se manter serena.
- Julgas que não sei que, durante todos estes anos, enquanto dormias comigo, pensavas nela?
Ele anuiu. Era incapaz de lhe mentir. Aliás, nunca fora bom de palavras. Nunca. Era bom nos números, graças a isso, depois de conseguir aquele emprego na banca, pode sempre dar-lhe a vida de princesa que ela sonhara.
- Tu sabes que nunca te menti, que nunca fui capaz de o fazer - a voz dele suava enferrujada, como se há muito tempo não a usasse; e não usava. - Mas, eu sempre soube não era eu o dono desse teu coração perdido. Então para quê lutar sabendo que perderia a luta?
Os olhos dela escureceram. A sua boca, cheia de veneno há uns segundos, estava agora cheia de mágoa. Mágoas de uma vida dançavam-lhe agora na língua.
- A nossa vida não foi uma merda assim tão grande, pois não? - deixou que a pose de senhora se lhe morresse na boca.
- Não me parece que tenhamos tido uma má vida. Fizemos crescer dois corações enevoados, isso nunca terá sido em vão - respondeu-lhe ele em tom brando. Sereno. Depois, como se aquela conversa não passasse de pura banalidade, desviou os olhos, de novo, para o jornal.
Suspiraram. Em conjunto.
Havia neles tantas formas de amor. E, todos os dias, vivam mais uma, aqui ou acolá. Eles não o sabiam. Há mais de cinquenta anos que assim era.
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