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O café arrefeceu. O tempo também. Fecha a janela, expulsando o frio que tomara conta da casa. Da chávena. Do corpo.
Deu por si na espera incessante que ela lhe dissesse que o esqueceu. Como se o facto de ela tomar consciência que o esquecera lhe pudesse mudar a vida. Talvez a deixasse menos vagarosa. Talvez deixasse o sabor de final.
Muda a caneca de mão. Há muito que já não bebe um café morno como as manhãs que um dia partilharam.
Ela, sentada perto da janela, fuma outro cigarro. Espera que entre tragadas de fumo o esqueça. Que ele se vá entre um e outro, entre este fumo, ou o outro.
Imagina-o a beber um café de janela aberta. Talvez esteja descalço como ela. Talvez esteja acompanhado. Quem lhe dera saber. Se ele estivesse acompanhado talvez ela o pudesse esquecer mais depressa forçada por um ódio momentâneo por quem a substituira.
Termina outro cigarro. Não acha que o vá esquecer no próximo. Nem no próximo maço. Talvez precise de um tempo de tabagismo intensivo para forçar aquela cabeça a esquecer quem tão depressa lá se fixara. Ou talvez o problema fosse o coração.
Acendeu outro cigarro. Ainda havia esperança de confundir o coração com aquele.
Ele, aqueceu o café no micro-ondas. Outra vez. Naquela manha queria-o quente, queria-se quente enquanto não a esquecia.
Não vejas. Se vires vais querer continuar a olhar. Não olhes. Quando vires vai doer e olhos doridos magoam o coração.
Isto de se ter restrições alimentares não é fácil. Atualmente tenho uma lista demasiado extensa do que não posso comer. Ou melhor, foi-me dado a escolher: ou comes o que estavas habituada e ficas para morrer ou vamos ter que mudar tudo.
Mudei tudo. Perdi 10kg. E ainda vou perdendo mais alguns. Não como porcarias nenhumas, nada de batatas fritas, fritos ou bolos. Quando digo nada é nada. Não como chocolate desde que comecei com esta dieta. Não bebo leite de vaca, nem lacticínios, nem bolachas com leite, nem sumos (só assim um ice tea quando o rei faz anos, e Compal). Não posso comer assados, nem fritos, nem muitos dos guisados que habitualmente se fazem. Nada com óleo e manteiga (ás vezes ainda passa um creme de soja). Passei um verão sem gelados. Nada de crepes, nem rabanadas, nem farturas, nem, nem, nem.
Dei por mim com opções muito limitadas. Tinha que explorar outros mares.
Papes de aveia, sementes, cereais. Soja, leite de arroz. Tostas integrais com maça cozida. Queijo fresco sem lactose. Gelado de baunilha vegan. Barras de cereais caseiras. Cozinhar no wok. Legumes sem fim (menos coisas muito verdes, que, pelos vistos também me fazem mal).
E, salada de fruta. Salada de fruta com tudo. Salada de fruta não me faz mal (ok, também não posso comer laranjas, nem tangerinas, nem clementinas, nem mandarinas....).
E pêssegos grelhados. Com mais fruta. E fruta e fruta.
No meio de tantos cortes e restrições, o meu corpo ainda arranja problemas digestivos e dores para ter. Posso estar arruinada, mas como tão, mas tão melhor...
Outra vez. Mesmas queixas, mesmos problemas de sempre.
A médica continua convencida que agora é mesmo da vesícula. Ou, melhor, agora o problema é também da vesícula.
Tenho mais uma ecografia para fazer. Ando cheia de dores. E mau estar. E azia. E refluxo. E com a sensação de que comi este mundo e a cabeça do outro quando comi meia maça. E dores (já disse que estou cheia de dores?!?)
Que seja desta. Mais duas semanas de sofrimento até ao exame e nova consulta.
Haja paciência, motilium e kompensan. E chá de gengibre (que ainda não descobri se ajuda, mas, gosto).
Passa a correr. Com pressa que na pressa que tem o tempo que tem se acabe e passe a correr.
A insónia dá-lhe voltas nas reviravoltas por detrás dos olhos. Voltas e não voltas. E nas voltas, revoltas-me os sonos.
Um centro de emprego tem o silêncio de um hospital. Partilham-se os mesmos rostos fechados, os mesmos olhos no chão. Talvez até a esperança seja a mesma. Em algo melhor.
De quando em vez, olha-se para o ecrã da televisão muda. Lê-se que o desemprego desceu. Lá, nas notícias, desce. Aqui entre nós sobre. Existe. Não é um número.
0.001 somos nós. Eu e ele. E ela. E eles ali também. É real. E dói. E vai doer. Hoje e depois. Até ter fim.
Não vemos. Quando se acende a luz ao fundo do tunel?
Amanhã talvez.
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