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Abanavas freneticamente a cabeça enquanto repetias o meu nome.
Procuravas resposta à pergunta que se impunha como barreira entre nós, ou, talvez, quem sabe, tentavas matar o tempo antes que ele nos matasse a nós.
Dos teus lábios aflorou um sorriso sincero, porém frouxo. Os meus olhos fixaram-se na tua boca, de onde ainda saia o meu nome como mantra em repetição.
É complicado, bufaste por entre suspiros arrastados, sem deixares, no entanto, de sorrir.
Eu sabia que o era, o mundo gira, e pessoas novas ocupam lugar das antigas. Novos corações batem e fazem unissom com o nosso. E, eu estava além do teu mundo, longe do teu coração, para lá de ti. Claro que era complicado.
Sorri-te e sorriste-me, e não mais tocamos no assunto. Não mais falamos, não mais nos vimos. Ficou o sorriso que calou as palavras que a boca não foi capaz de dizer, que o coração acabou por calar.
Porém, é quando em sonhos me apareces personificando sob aforma de perfeição e desejo que voltamos ao início. Quando pela mão me levas, dizendo, quanto te questiono porque fugimos, “Ela não és tu”, que lá voltamos. Ao início, ao ponto onde nunca estivemos, o ponto onde nunca haveremos de estar. Ao início.
Quando entramos para a universidades enchemos as bagagens de sonhos: sonhos de uma maior formação, de uma vida melhor, de um futuro risonho e de felicidade à mistura.
Porém, cedo percebemos que o curso nem sempre nos abençoa.
Comecemos por analisar um pós-licenciatura (tipo pós-parto, mas sem o bebé) face à crise:
Depois de os nossos desgraçados pais derreterem as poupanças de uma vida na nossa formação – no meu caso não sinto que o estado português tenha feito grande sacrifício, esperamos, dois dias depois de ter o canudo (minto, o canudo custa 120 euros, por isso não o tenho. Tenho, por outro lado um certificado de 15 euros (o de 40 era demasiado caro!)) na mão arranjar emprego.
Ainda sem trabalho, semanas depois, e de certificado pomposo na mão, inscrevemos no centro de emprego. Esperamos que lá nos ajudem, e não nos transformem em mais um número do desemprego.
Desenganamo-nos quase logo: emprego não há, e cursos para licenciados acabaram, “pena não ter ficado só com o 12º”. Meses decorridos, percebemos que aquele lugar apinhado devia mudar de nome: Trocar o emprego pelo desemprego, uma vez que “centro de Desemprego” que serviria muito melhor.
Por outro lado, como não trabalhamos – nem agora, nem antes, não somos abrangidos por nenhum tipo de subsídio.
Aqueles dinheiros que a tanto sacrifício guardamos de todos os trabalhitos que fizemos enquanto estudantes, acabam enquanto o diabo esfrega um olho – e puf, foram-se.
Começamos a conciliar os pedidos de emprego na nossa área com os part-times nos supermercados e lojas.
Mas, para aí temos demasiada formação. Ora se até aí no faltava o requisito “experiência comprovada e superior a dois anos”, agora somos “demasiado estudados” para servir às mesas.
Pressionados pela necessidade de vida própria de autossustento, o dito cujo dinheiro, começa a fazer falta. Mas, não há raio de situo onde o passamos ir buscar, fazer de volta.
Procuramos e procuramos. Fazemos projetos, apresentamos auto-candidaturas e respondemos a anúncios, E Nada. Nada a mais, dignidade e autoestima a menos.
Pensamos em mentir no currículo, e nas entrevistas se tivermos a sorte de sermos chamados. Dizer que temos mais experiência para uns, afirmar a pés juntos que nunca entramos numa universidade para outros. Mas, os nossos pais não nos ensinaram a não mentir?
E assim o nosso país – um dia terra prometida, nos deixa abandonados e nos rouba, nos rouba a dignidade e raça que trabalhamos anos a fio para conseguir. Nos rouba os sonhos e tenta impingir-nos outros que não são nossos. O país que os nossos pais contribuíram – e contribuem, para formar, nos manda para fora….
Um dia, um dia passo-me da cabeça, faço as malas, vou embora e passo a chamar meu país a outro. Afinal papel e caneta há em todo o lado, não é?
Há uma massa inconstante que os compõem: expectativas desmedidas, segredos guardados e esperançar imensas.
Cada pedaço seu é pedaço nosso. Essência íntima de quem somos e de quem gostaríamos de ser.
Começam suaves, com contornos pintados a cores neutras, tons pastel. Há medida que se enraízam no âmago do nosso ser, mudam de cor – como vinho tingindo a água. Pintando-nos com contornos fortes, linhas duras, rabisco definidos a preto e vermelho. Amarelos como sol, iluminando.
Delimitam a nossa vida, fazem-nos mover, acordar todas manhãs e resistir aos dias que nos dilaceram.
No entanto, eles nunca morrem, raramente adormecem. Adormecemos nós com eles por companhia, com eles a cada bater de coração, enquanto sonhamos com outros sonhos que um dia também serão nossos.
Tenho-me rodeado de coisas boas. Do que me tinha esquecido que tanto amava. Pés no cimento que não vi secar. Calcanhares na tijoleira, aquela em que em tempos via velhos ursos e nuvens. Elefantes de veludo, livros antigos…
Tenho pensado nos pequenos objetivos, aqueles parvos e a curto prazo: aprender a cozinhar espargos, fazer risoto, ter dinheiro para um livro, um casaco, um carro… um mini velhinho… sonhos de menina que ganham terreno quando esta velha aqui se esquece do que a forma.
Perdi esperanças vãs e enganadoras, das que fazem mal, despi-me da poluição que me cobria e voltei a andar de mão dada comigo: Marina pequenina com Marina grande.
Á de saias rodadas e totós atados com lenços de cetim fui buscar o brilho nos olhos e as vontades de menina, a mim, a força de os manter.
Agora, quero-as sempre as duas: Marina pequenina, Marina grande, aqui, bem pertinho.
(Eu, versão Marina pequenina)
Não quero desenterrar o que grosseiramente cobri com terra movediça.
Não quero que desencoves o passado que não vivemos com presenças ausentes. Não posso permitir que entres pela porta dos fundos, quanto te expulsei pela porta da frente.
Não me vou permitir de te permitir. Não porque não posso, mas porque não quero.
Tudo o que aqui escrevo são meias verdades. São mentiras dos outros que adotei como verdades minhas. São a forma como perceciono o que me rodeia, o que me fere e o que me abraça, o que me dão, o que me tiram e o que eu vou buscar de volta.
Nada do que aqui se passa é absoluto ou fidedigno. Porque, bem no fundo, o ele que conhecem nem sempre é feio, assim como eu que leem nem sempre é bonito. E, nem sempre estou tão resolvida quanto a ele quanto gostaria – dependências são assim.
Ele, ao seguir em frente, nem sempre teve as portas abertas. Também levou pancadas e caiu, arranhando os joelhos e rasgando as calças novas que tanto tinha trabalhado para comprar. Assim como eu também fui obrigada a fazer voo rasteiro e raspei a cabeça pelo solo, sangrando e perdendo alguns dos meus fios de cabelo cor de ouro.
A diferença entre nós, nestes tempos difusos, são simples – eu limpei-lhe as ferias e fiz das tripas coração para o ajudar mesmo estando a quilómetros de distância e ele nem faz ideia de que me magoei. Viu as manchas vermelhas no passeio, mas não percebeu que o sangue me pertencia.
No fundo, somos agora o que o destino nos tornou – dois estranhos, com duas vidas.
O que difere, é o facto de ele ter seguido em frente, mudado de ares e ganhando novos amores para a agenda e agora par o coração e eu – parva!, alimentei fantasmas por demasiado tempo.
Dizem que a disponibilidade para amar é um estado de espirito. E, embora a minha mete esteja pronta há anos, o meu coração ressente-se e não aceita hospedar um novo dono.
Talvez eu seja como as personagens dos livros que tanto leio. Talvez me cure quando chegar o momento, quando alguém chegar, quando a vida quiser e eu deixar. E aí, aí, será para sempre. Sem dúvidas, dores ou ressentimentos, até que morte nos separe e depois dela.
Seguimos sempre a ritmos demasiado diferentes para andarmos lado a lado.
Eu puxava para o alto, tu para a frente. Eu não suporto pressas, tu tens pavor de alturas.
Talvez, no fundo a culpa não tenha sido nossa – nem todas as paixonetas de adolescente foram talhadas para serem romances com final feliz.
Não me bastava o chão, não te servia a calma. Não suportas livros, não percebo nada de desporto.
Nunca nos completamos, nunca nos amamos. Vivíamos de promessas silenciosas, sentimentos disfarçados, mal dissimulados e de discussões. Oh como nos mantínhamos em cheque, como nos magoávamos, nos traiamos, nos doíamos e não nos sentíamos.
Por fim, eu perdi-me nas alturas, tu nas ruas que nunca percorri. Não mais te vi, e tu, tu desprendeste-te de mim. E nem os satélites – que tanto amavas, e que agora desprezas, nos ajudaram.
Seguiste caminhos talhados de felicidade e atenção desmedida, eu decidi navegar por mares revoltos, trabalhosos e desconhecidos.
Encaremos os factos: eu sou um desafio que desiste de levar a cabo. Se era difícil? Era. Mas podia ter sido a melhor viagem nas nossas vidas. Pena nem termos posto os pés ao caminho.
A cada passo dado sei que me aproximo da porta.
As janelas já não existem – as abertas e as fechadas ficaram para trás, noutro tempo.
Agora é a porta e para a porta em linha reta. Sem escapatórias.
Esta que segue em passo seguro alternado de passo vacilante não e a mesma que entrou neste longo labirinto.
Esta é mais completa, mais viva. Maior – em altura, letra, pensamento e vida.
São cada vez menos os passos. E a cada um deles o medo cresce e a ansia avança.
Mas, ela não para. Sabe, agora sabe, que a porta é só mais um começo. Que a porta, inevitavelmente, é dela e para ela.
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