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O post longo sobre a praxe

por Marina Ricardo, em 24.01.14

Cheguei a Vila Real num dia quente de Setembro. Os meus pais deixaram-me na casa recentemente alugada, deram-me um beijo na testa e voltaram. Eu fiquei. Tinha 17 anos.

No dia seguinte, o primeiro dia da minha fase adulta, apanhei o autocarro errado e cheguei cedo demais a um campus enorme e confuso cheio de gente trajada de preto. Eu, sozinha e nervosa, só queria encontrar alguém que me ajudasse. Na altura fiz muitas perguntas a gente trajada porque sabia que eles já conheciam o local. Mais de uma hora de perguntas depois, encontrei uma pessoa que queria chegar ao mesmo pavilhão que eu - que ficavam paredes meias com o fim de mundo (é importante ter em conta que a UTAD se localiza na quinta dos prados, um campus enorme onde estão todos os cursos, distribuídos por vários pavilhões). Sempre que eu me dirigia a um trajado e pedia informações, a minha mais recente companheira, escondia-se atrás de uma árvore (coisa que não falta pelo campus). Ela estava cheia de medo. Eu não. Ela vinha com ideias pré concebidas. Eu não. Nunca tinha conhecido alguém que me falasse bem ou mal da praxe. Conhecia gente que não tinha sido praxada, mas, não ia além disso. Na altura, entre amigos, não falamos muito no tema. Acho que silenciosamente estávamos todos de acordo: logo se via.

Não me lembro de ter medo. Tinha algum - confesso, mas prendi-o num bolso e deixei a mente livre. Nesse dia, no primeiro, começou a minha praxe. E, aí algum do medo fugiu. Não conhecia ninguém. Estava sozinha ( mãeeeeeee......?) e queriam que eu dissesse o meu nome a cantar e que dançasse (só deus sabe que eu não sou capaz!!!).

Nessa manhã conheci mais gente no que na minha vida toda. Uma multidão entrou-me vida adentro, numa manhã. Ninguém entrou calado – praxe sem barulho não é praxe. E eu, eu só queria esconder-me atras da árvore mais próxima.

Acho que nessa tarde, quando cheguei a casa-nova tive vontade de fazer a mala, e voltar para casa, para debaixo da asa da minha família. Mas, respirei fundo, vesti a roupa de guerra (ou seja, o fato de treino) e fui para a praxe.

Não posso dizer que gostei sempre da praxe, nem que tudo foi giro – não foi. Mas, na praxe não me puseram só de quatro. Também me acompanhara ao médico e me deram boleia para o hospital. Levaram-me à secretaria e deram-me os papeis para o passe. Depois levaram-me ao quiosque e ajudaram-me a ter um desconto. Ajudaram-me a fazer a matrícula, a inscrever-me nas cadeiras, e deram-me dicas preciosas para lidar com alguns professores. Na praxe também me arranjavam descontos nas saídas à noite, depois da praxe, mas eu nunca quis. A praxe ajudou-me a soltar e a rir das figuras parvas, a desfrouxar o cinto. A praxe deu-me amizades verdadeiras e instantâneas - até podia ter encontrado as mesmas pessoas noutro contexto, mas nunca nos esquecemos daquela rapariga com quem cantamos a plenos pulmões, de mão dala, na noite assada. Na praxe também fiz coisas parvas e sem nexo. Mas, foi assim que aprendi a dizer não. O não social é o pior de todos - o que custa mais, mas, aprendi a dize-lo mais alto ali. Com a ajuda da praxe esqueci-me de que estava sozinha, porque na verdade, com a praxe eu nunca estava sozinha. Nunca estive, mesmo que ás vezes quisesse. A praxe ajudou-me a integrar na nova cidade, ajudou-me a conhece-la e fez-me crescer. Com a praxe cheguei a casa mais cedo.

Continuo sem poder dizer que gostei sempre da praxe, que nunca lhe roguei pragas baixinho (COM ESTE FRIOOOOOOO IR PARA A PRAXE?!?!???!), mas depois lembro-me daquela primeira vez em que, caloirinha, que levaram às tunas ou nos abraçamos enquanto curso pela primeira vez e sorrio. De dentes arreganhados. Talvez a praxe tenha sido longa, e parva e bfuuuuuu, mas porra, lá também fui feliz (mais que não seja, foi por causa da praxe que, finalmente, pude ir de pijama para as aulas!!!).

A praxe por si só não vale nada. O que vale são as pessoas que a fazem, que dela fazem parte. Se as pessoas não prestam a praxe não vale um carro de mato, se as pessoas são UAU, a praxe vai ser uma maravilha. Nem todos os praxadores são frustrados, nem lutam pelo poder, nem querem humilhar os caloiros – mas há os que o são. E os que não são. Tudo depende de cada um. Da sua predisposição, paciência e vontade. A praxe não é boa nem má, cabe a cada um faze-la boa ou má. Como tudo a praxe é feita por pessoas – e essas sim, são boas e más.

A praxe tem regras. Acarreta responsabilidades – de caloiros e praxadores (e as próprias instituições de ensino). Mas, ninguém está lá para dar a vida por uma causa – não estamos a falar de um culto satânico. Não se alugam casas, nem se assinam papeis. A praxe que eu conheço não tem fins de semana fora - é na alçada da Universidade, na cidade, na câmara, nosparques adjacentes. Na praxe é suposto nos divertirmos. Tudo tem de limites e moderação.

Esta é a minha experiência. Foi boa e má. Muito boa e mais ou menos. Cabe a cada um fazer a sua – com responsabilidade (MUITA!) e respeito (MUITO!) e mente livre. O que importa é estarem conscientes e felizes com as vossas decisões – isso sim é o mais importante.

publicado às 19:17



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