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Não consigo conceber uma violação. Não consigo perceber as motivações, os desejos nem o prazer. Não percebo o que será bom em usar os outros. O corpo dos outros. Um corpo morto, de uma alma que vivia até aquele momento.
Não consigo conceber que uma criança de 16 anos seja violada. Que o corpo que ela não conhece seja roubado e maltratado em tão ínfima idade.
Não consigo conceber a que nenhuma mulher seja forçada a sexo. Ou ao que quer que seja. Não consigo conceber que os outros o concebam, que achem normal, que aplaudam.
Foda-se, e se fossem vocês? A vossa irmã? A vossa mãe? A vossa avó? Aquela miúda que vive no vosso prédio? A funcionária da escola? A padeira? Foda-se, e se fosse uma de nós? Também merecíamos? Também estávamos a provocar? Também estávamos mesmo a pedi-las?
Não posso gostar do meu decote? Não me posso valorizar? Porque tenho que esconder que sou mulher? Que estou viva? Porque a minha feminidade faz-me merecer que me violem?
Não consigo conceber as vozes que se calam e consentem. Foda-se, não consigo conceber esta merda.
Para além de ter aprendido muito e de ter horários de padeiro, percebi as músicas de Kizomba são do mais sexista que há.
Haja paciência.
Feminista. Humanista. Verdadeira. A brincar, a dizer a verdade
Choca-me o à-vontade com as mulheres se desrespeitam umas às outras.
Choca-me como aceitam a padronização do corpo feminino, choca-me a aceitação das injustiças, choca-me que achem piada ao facto de as roupas as mandarem lavar a roupa, choca-me que achem bem outras mulheres serem obrigadas a espremer os seios para provarem que estão a amamentar, choca-me que digam que há mulheres que mereceram ser violadas, choca-me que se riam quando ouvem piropos ordinários na rua, choca-me que se ataquem em vez de se deferem.
Choca-me que a sociedade ache que está tudo bem. Choca-me que pessoas digam que não são feministas. Que tipo de pessoa não acha essencial que as mulheres tenham iguais direitos perante os homens?
Choca-me que pessoas, com formação elevada, com um passaporte cheio de carimbos, que, supostamente, são cidadãos do mundo se insurgem com ideias tão século passado.
Sou mulher. Perdi peso. Ganhei peso. A adolescência não me brindou com maminhas, mas deu-me ancas. Nasci com mais de quatro quilos e tive quase sempre uns quilos a mais. Sempre fui saudável. Nunca precisei que me chamassem gorda. Também nunca esperei que me chamassem magra. Aliás, ainda hoje não percebo o que os outros têm a ver com o meu corpo. Nunca hei de perceber porque os outros têm que dar opinião sobre o tamanho que o meu corpo ocupa – não lhes roubo espaço. Nunca vou perceber que medidas me dita a sociedade.
Choca-me que ainda se acredite que só os magros são saudáveis. Há gente mais pesada que é mais saudável que os magros. E, não percebo uma sociedade que não se aceita com todos os tamanhos. É quase como negar uma cor ao arco iris.
Choca-me que toda a gente queira ser como toda agente. Chocam-me as ideias padronizadas. Chocam-me as pessoas quadradas que rotulam os outros.
A padronização rouba essência. Ninguém é só magro, ninguém é só gordo. Ninguém é só mulher. Ninguém é só homem. Todos temos histórias. Vontades. Ninguém é só uma coisa.
Acho - sempre achei - que o grande mal do mundo é o facto de toda agente achar que pode e deve opinião sobre tudo. Não tem. Não tenho que ter opinião sobre a vida dos outros, sobre as suas preferências sexuais, sobre o seu peso, sobre se anda ou não anda bem vestido.
Choca-me que ninguém se choque.
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