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As sardas desenham constelações nas tuas bochechas. Universos inteiros
de estrelas cadentes dançam , na tua cara quando te ris à gargalhada.
E, eu, comum mundano, vivo impaciente, enquanto, de mãos trémulas, tento alcançar a via láctea que te rola dos olhos sempre que choras quase sem te dares conta, nestas noites de fevereiro.
O tempo arrefece. As supernovas explodem. Novos planetas dançam com os anéis dos teus dedos.
E eu estou a anos luz de te apanhar, noite estrelada.
Inquietação. Insónia.
Ardor, não no corpo, na alma.
A cabeça queima, não a testa. A febre nasce-me do peito. Coração acelerado, que quer ter sempre razão.
Há dias em que me dói o ser. Ser.
Cansam-me as pessoas que sou, que me torno, em torno dos problemas.
Hoje acordei convencida de que posso pôr o mundo no bolso e seguir pelo caminho que a febre, em delírio, me fizer escolher.
Só não escrevi o que não quis sentir.
Tenho deixado a paixão morrer. Nos espaços vazios tenho posto sonhos novos, aldrabados e irreais.
Convenço-me que a minha paixão pode arrefecer. Que um dia a deixo em lume brando, ao fogão. Que não queima, não evapora.
Tenho deixado a paixão definhar e, com ela moribunda no regaço, sorrio e teimo em dizer que a tenho no bolso quente, amada e estanque.
Finjo acreditar que a adrenalina de estar vivo volta. Que a paixão também.
Tenho mentido muito. Aos outros. Principalmente a mim.
Desfruto o silêncio com a mesma devoção e amor com que procuro preenchê-lo.
Rejubilo e enlouqueço nas noites quentes e caladas em que, horizonte escuro como breu, espero que ninguém note que, aqui sozinha, não passo de mais uma pessoa só e calada, assustada e fascinada com o silêncio que aqui se faz.
- Mas, vais ficar aí muito tempo? - perguntou ele.
Tinha o telefone em altifalante. Estava a pintar as unhas. Escuro. Sempre de escuro.
Olha em redor. As palavras dele ainda ecoam no quarto pequeno e pouco decorado.
Os seus olhos pousam por momentos nas duas plantas, estranhamente felizes e verdes, pousadas sobre um monte de livros por arrumar, ao lado da janela ainda aberta.
Pinta a unha do dedo mindinho com alguma surpreendente previsão enquanto respira fundo.
- Comprei duas plantas no domingo passado.
A frase respondia à pergunta. Achava ela.
- Não precisas de mentir - não era uma acusação. Mas, fe-la pensar que ele, decerto, não tinha percebido a resposta.
- Não estou a mentir. Comprei mesmo duas plantas - faz uma pausa para fechar o frasco pequenino de verniz - e, sabes que tenho que ir até ao fim. Onde quer que isso seja. Estou a aprender a confiar no processo... O que quer que isso seja.
Ele respirou fundo.
- Ok. Amanhã ligo-te.
Desligou sem esperar que ela lhe dissesse mais alguma coisa.
Ele não ligou. Ela não esperava que ele o fizesse. E estava tudo bem. Fazia parte do caminho. E, agora ela confiava no processo - o que quer que isso fosse.
A felicidade, descobriu, nunca ia ser um estado permanente. Não havia feliz para sempre, nem sempre feliz.
A felicidade vem em ondas; às vezes passamos por elas, outras mergulhamos, outras caímos nelas e a água entra-nos pelo nariz - e ninguém é feliz com água, mesmo que água feliz, a entrar pelo nariz (rima e é verdade).
A felicidade mais do que um estado, era uma interpretação de uma aula de surf que ela nunca teve - surf sem prancha num mar sempre cheio de ondas.
Não tenho estado em lado nenhum.
Vou, mas, fico sempre.
A cabeça pensa devagar para o coração não chegar a sentir nada demasiado depressa.
Aquece-me os pés, as mãos e a alma. Finge que não vamos a lado nenhum. Faz de conta que nada conta e que, no final de contas, não temos contas para acertar.
- Estás diferente.
Não era uma pergunta.
O carro foi parando gradualmente até chegar ao semáforo vermelho.
Era capaz de me apaixonar por ti, pensei.
É verdade. Não estou nada igual.
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